Na terça estava de folga, estava na cama a dormir e lembro-me perfeitamente que estava a sonhar que estava na Disney com o meu pai. Ele queria andar numa montanha russa super violenta e eu insistia que já não era para a idade dele.
O telemóvel tocou e eu acordei. Era do hospital, tinham uma vaga para ser internada nesse mesmo dia, senão tinha de esperar mais uns meses. Aceitei, pus-me a pé, acordei o marido, telefonei à mãe, à chefe e à amiga. Fiz a mala para levar para o hospital em menos de 15 minutos (já estava contar que me chamassem assim, do pé para a mão), dei um jeito à casa, fui a Ponte de Lima visitar os pais, fui ao trabalho passar à chefe umas coisas que tinha em mãos, fomos ao trabalho do marido avisar que ele ia meter umas férias para me acompanhar e às 15h estava internada. Fiquei sentada na sala de espera desde essa hora até às 22h45 que foi quando finalmente me arranjaram quarto (e nem foi no piso de otorrino), a sorte é que o quarto disponível era um de isolamento e assim pude ficar sozinha num quarto. Fizeram-me não um, mas dois catéteres hiper dolorosos.
Acordei às 6h, tinha de estar em jejum até ser operada e sem soro. Eu sou uma esfomeada, jejum é o horror para mim. O marido nesse dia ainda teve de ir trabalhar e por isso a minha mãe veio acompanhar-me. Pelas 13h já eu estava tentada a comer a bata que me cobria o corpinho, fartinha de esperar, e lá me levaram para o bloco. Tenho de ser realista e dizer que nessa hora dá vontade de agarrar a mãezinha e não largar.
Chego finalmente ao bloco e "ah e tal os médicos estão a almoçar, espere aí na maca só mais uma hora, a olhar para o tecto"... nesta altura estava capaz de matar um.
O anestesista chegou, disse que tinha bebido vinho e que era a primeira vez que dava anestesia (perguntei se dizia isso a todos e ele disse que sim, e que 90% acredita e faz ar assustado). Tinham o rádio aos berros e apaguei ao som da Happy do Pharrell.
Acordei a gritar: "'Tou?", "'TOU?" E levei uns 10 segundos até perceber que a alminha a gritar "tou" era eu. Vá-se lá saber porquê. É uma moca acordar da anestesia geral. É uma luta. Tinha o nariz todo enfaixado e a boca seca, parecia que tinha atravessado o Sahaara. Não podia beber, só molhar a boca com um bocadinho de água de uma seringa.
Levaram-me para o quarto às 17h, onde estava a minha mãe. Eu estava muito bem disposta. Meteram-me a arrastadeira duas vezes. Não consegui fazer xixi, a enfermeira avisou-me que tinha de conseguir porque só me podia levantar no dia a seguir. Esperei a enfermeira sair do quarto, pus-me a pé e fui à sanita.
Pensei que não ia dormir nada, acordei várias vezes mas dormi umas seis horas, bem bom. A meio da manhã comecei a sentir-me mal, queria vomitar mas não conseguia. Deu-me ataques de espirros sucessivos, o que punha os pensos a escorrer sangue e tudo o resto. Deram-me medicação para ambos, fiquei meia grogue. O marido levou flores e a mãe comidinha boa mas eu mal lhes liguei e dormitei o dia todo e quando estava acordada era agoniada, contei as horas todas da noite, incluindo uma hora inteira em que se ouvia uma mulherzinha aos gritos a chamar pela enfermeira e esta a responder: "Pois, pois...". Ainda tive coragem para me meter em cima de uma cadeira e desligar da tomada a tv que fazia um "fuuuuuuuuuuuuu" que também não me deixava dormir.
Sexta-feira de manhã.
Os médicos passam (eram 5) e eu pergunto: "Mas afinal qual de vocês me operou?" E eles olham todos uns para os outros: "Foste tu? Fui eu? A que horas é que foste operada?" E eu: "Quarta às 14h" e uma médica, que mais parecia uma top model diz: "Então fui eu." E eu: "Correu bem?" E ela: "Corre sempre." Ah, tá...
Deram-me alta, estava de lá para fora bem antes do marido ter tempo de chegar. É que tinham sido 3 dias sempre a ver a SIC, li o terceiro livro dos Jogos da Fome em dois dias, sem net e em agonia, horas e horas de espera.
Estou em casa desde ontem. Estou cansada de só respirar pela boca, tenho de trocar o penso várias vezes ao dia, é doloroso e nojento porque nos metem umas esponjas que vão derretendo e saindo misturado com o sangue. Por isso é uma gosminha maravilha. Só tiro os drenos na próxima quinta (OH MEU DEUS, AINDA FALTA TANTO). Esta noite tive muitas dores, não dormi nada, dói-me imenso os dentes de cima (diz que é normal) e já vi a minha vida a andar para trás.
Já proferi as palavras: "Não quero saber se vou respirar 1000% melhor. Se eu soubesse que era assim não o fazia." mas acho que só o posso dizer a sério depois de tudo passado.
Mas que não está fácil, não está.